A última noite de uma vida
Sim. A última. O fim de um ciclo.De um movimento. Não a morte física. Mas a morte, sim. A morte de uma forma de vida. A morte de uma vida sonhada. Alcançada, terminada.
Novos sonhos terão de vir. Espero que venham. Mas deixo o tempo andar.
Última noite nesta rua, nº, cep.
Última vez que vejo a noite tomar meu cenário, este meu cenário.
Cenário de tanto. Tantas cenas. Dores, alegrias, porradas, amores, abraços, beijos, porres, filmes, amigos, inimigos.
Parece piegas, talvez até seja.
A última noite envolve meu antigo cenário e já é madrugada, quase manhã, a última manhã.
Eu, ator que sou, estranho. Achei que agora estaria tomado de lágrimas e olhando pra tudo através da água dos meus olhos,
Mas não. Estou duro, talvez valente, talvez assustado, talvez em choque, talvez firme. Eu não sei.
De qualquer forma, nesta noite se encerra o rumo do meu primeiro amor, do meu primeiro emprego, do meu primeiro grande gesto de vida adulta.
A saída da casa, talvez seja um símbolo. Estou começando, e sei disso, a sair da casa que habito de verdade, desta casa que habitei na vida que tinha. Vem vindo uma nova casa, de mais escuta e menos fala. A minha casa-limite, aquela que não me pode ser retirada. Aquela que aluguel nenhum pode pagar, aquela que ninguém me despeja, suporte dos meus afetos, dos meus sentimentos, das minhas crenças e vontades, também está em reforma.
Também vai mudar, também vai virar palco vazio para cenário novo. É necessário, é preciso. Eu preciso.
Vou, pra sonhar de novo. Pra desejar ardentemente, para potencializar o meu amanhã e ter um hoje nada menor do que eu sempre quis.
Não é a toa que volto a escrever. Eu preciso, é um ritual necessário. Hoje, aqui, nesta hora, agora.
Portanto este é um escrito de morte. Sim, de despedida. Porque coisas passaram. E eu disse “ que queria passar com elas e não deixar nada mais do que as cinzas de um cigarro e a marca de uma abraço no seu corpo nu”. Meu corpo está nu. Meu destino, meu amanhã estão nus. Preciso vesti-los de novo. Preciso sonhar com a roupa que vestirei amanhã. O cigarro aqui no meu dente, nos meus lábios junto com o café, substitui o vinho que queria estivesse bebendo. Mas não comprei. Esqueci. Acho que andei me esquecendo. Mas esquecer para lembrar me é tão familiar, me cheira a processo de criação. Nele estou. No processo de criação dos meus novos quereres.
Não sei se o rumo imediato, a casa aquela, da família e dos conflitos é o rumo certo. Talvez aquela casa esteja me chamando porque quer ser revista, resgatada, revisitada. Talvez seja um erro, talvez uma rota errada. Mas é o meu possível agora. E talvez sem saber seja o meu necessário.
Este apartamento há muito deixou de me dizer, de me abrigar, de me fazer feliz. Há muito deixou de ser festa.
Mas era meu, meu lugar, conquistado com aqueles outros desejos que me moveram, minha toca.
Vou ter que desejar para conquistar de novo. Acho que isso não é ruim.
Força de novo, tem que estar comigo, tem que ser comigo, tem que estar em mim.
A incerteza apavora, mas não deixa de ter o seu lado fascinante.
Talvez tudo pareça drama. Talvez seja. Mas o drama também compõe a vida.
Difícil terminar a escrita, porque ao termina-la tudo estará encerrado.
Não é o caminhão, os móveis ou a entrega da chave que vai encerrar esta vida. É o fim deste texto, é o fim deste escrito.
Ficarão lembranças, sim. Sensações. E olharei pra tudo isso como uma daquelas coroas de flores com aquelas frases que se escreve aos que se foram.
Olharei para este apartamento ao amanhecer e tudo estará vazio, tendo em mente frases como: “Aqui jaz uma vida que tive, um projeto concluído, encerrado, ido até o fim,vivido até o último segundo.”
Dormirei meu último sono nas poucas horas que me restam desta vida que tive. Tentarei e talvez a insônia, minha companheira de sempre, não permita.
Tenho que encerrar, terminar este texto. É preciso, abro um sorriso quase invisível, movendo quase internamente, e digo: Acabou. Acabou o texto, acabou essa vida e foi bem vivida.
Acho que vou terminar com a frase da personagem do filme que vi agora, o último desta vida aqui[1], onde uma personagem, uma senhora idosa que fez o que quis, da maneira que pôde e que conta sempre as histórias de uma vida vivida assim aconselha sua neta que anda vendo e descobrindo a vida:
“Você tem que arriscar, Jéssica. Eu entrei de cabeça...E Você sabe, eu tive uma vida maravilhosa”
Assim, acho que está bem.Mas antes digo que já comecei a mergulhar e a construir as histórias que quero contar quando estiver velho.FIM
[1] Um lugar na platéia.
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