terça-feira, 7 de julho de 2009

Do Blog do Antonio Cicero


Dilema

O que muito me confunde
é que no fundo de mim estou eu
e no fundo de mim estou eu.
No fundo
sei que não sou sem fim
e sou feito de um mundo imenso
imerso num universo
que não é feito de mim.
Mas mesmo isso é controverso
se nos versos de um poema
perverso sai o reverso.
Disperso num tal dilema
o certo é reconhecer:
no fundo de mim
sou sem fundo.



De: CICERO, Antonio. Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996 / Póvoa do Varzim: Quasi, 2002.

Do Amor ou o sopro da Moska na Lana que soprou em mim



O Paulinho Moska disse pra lana que me disse e agora acho que vou decorar para andar dizendo por aí...
Útil, bem útil...Conveniente, eu diria



Não falo do AMOR romântico, aquelas paixões meladas de tristeza e sofrimento. Relações de dependência e submissão, paixões tristes. Algumas pessoas confundem isso com AMOR. Chamam de AMOR esse querer escravo, e pensam que o AMOR é alguma coisa que pode ser definida, explicada, entendida, julgada. Pensam que o AMOR já estava pronto, formatado, inteiro, antes de ser experimentado. Mas é exatamente o oposto, para mim, que o amor manifesta. A virtude do AMOR é sua capacidade potencial de ser construído, inventado e modificado. O AMOR está em movimento eterno, em velocidade infinita. O AMOR é um móbile. Como fotografá-lo? Como percebê-lo? Como se deixar sê-lo? E como impedir que a imagem sedentária e cansada do AMOR nos domine?
Minha resposta? O AMOR é o desconhecido.
Mesmo depois de uma vida inteira de amores, o AMOR será sempre o desconhecido, a força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão. A imagem que eu tenho do AMOR é a de um ser em mutação. O AMOR quer ser interferido, quer ser violado, quer ser transformado a cada instante.
A vida do AMOR depende dessa interferência. A morte do AMOR é quando, diante do seu labirinto, decidimos caminhar pela estrada reta. Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos, e nós preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim. Não, não podemos subestimar o AMOR não podemos castrá-lo.
O AMOR não é orgânico. Não é meu coração que sente o AMOR. É a minha alma que o saboreia. Não é no meu sangue que ele ferve. O AMOR faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito. Sua força se mistura com a minha e nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu como se fossem novas estrelas recém-nascidas. O AMOR brilha. Como uma aurora colorida e misteriosa, como um crepúsculo inundado de beleza e despedida, o AMOR grita seu silêncio e nos dá sua música. Nós dançamos sua felicidade em delírio porque somos o alimento preferido do AMOR, se estivermos também a devorá-lo.
O AMOR, eu não conheço. E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo, me aventurando ao seu encontro. A vida só existe quando o AMOR a navega. Morrer de AMOR é a substância de que a Vida é feita. Ou melhor, só se Vive no AMOR. E a língua do AMOR é a língua que eu falo e escuto.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Do amor, suas ausências, chegadas, partidas e representações



Amor. Esta talvez seja uma das mais citadas, pronunciadas, sonhadas e representadas palavras de todos os tempos. Em todas as línguas, nas mais diversas linguagens. Diferentes imagens, Poesia, Prosa, Verso, música, figurado, abstraído, TV, cinema. Sentimento, invenção cultural- não sei. No Brasil, na MPB, ou se ama, ou se amou. Exalta-se a chegada do amor ou lamenta-se a sua partida. Difícil não amar neste país... Afinal “as suas mãos no pescoço/ as suas costas macias/ por tanto tempo rondaram/ as minhas noites vazias” (...). E tente-se dormir sozinho com um “barulho” destes.
A representação do amor, do amar, do ser amado. O morrer de amor, o viver dele, nele, por ele. Amar às vezes é quase uma imposição pra vida, afinal “é impossível ser feliz sozinho”. Amor e dimensões várias. Amar o outro, a si, às coisas, os feitos. Amar “é”, amor está e faz a maioria das pautas dos bares, dos palcos, das telas, da vida. “Pô amar é importante” e os domingos sem ele, ela, eles, elas, são um castigo. Amamos como nos filmes, nos filmes amam como nós.
Os atores, como eu, amam em cena, na vida e, ainda, criam representações do amar, reforçam algumas e às vezes, enquanto amam verdadeiramente, também conseguem assistir a si e sua representação do amor e quando voltam à cena amam na verdade-mentira-acordo da encenação assim como na vida vivida e dita real.
Em mim, ator, não amar e nem encenar o amor é insuportável. Vi “Romance”, o filme. Teatro, Amor, ausências, chegadas, partidas e representações. Vim escrever porque precisava de alguma representação, assim como os protagonistas e, por não estar no palco e nem amando, escolhi a tela, o teclado.
Há claro, uma pontinha de receio. Receio de ser lido, de ser descoberto sem amor. De ter atentado quanto à exigência de amar. Nem ao menos tenho certeza se esse escrito cheio de rodeios vai ser publicado. Talvez ele seja muito de mim para ir para aquelas escritas. Talvez, exatamente por isso, deva estar lá. Não sei. Talvez ele seja só, como diria Clarice: “ Um grito de ave de rapina irisada e intranqüila”. Talvez essa venha a ser uma representação guardada em segredo, como os amores impossíveis e secretos.
Quem sabe não está aqui o início de um espetáculo que virá e que vai colaborar com a dança infinda das representações do amor. Quem sabe aqui esteja o início de um amor. Eu não sei. Sei que ouço Omara e Bethania. Sei que é domingo, que vi “Romance”, que estou pensando em teatro, que estou pensando no amor, que estou pensando no amar.